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segunda-feira, 21 de março de 2016

VOCABULÁRIO DO EX-PRESIDENTE: Feministas se dividem sobre falas de Lula captadas em grampos

“Onde estão as mulheres de grelo duro do nosso partido?”, inquiriu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A indagação, pescada em um dos grampos divulgados na última quarta-feira (16), foi feita em conversa de Lula com o ex-ministro Paulo Vannuchi.
Representantes de movimentos feministas, como Lola Aronovich, do blog Escreva, Lola, Escreva, foram interpeladas por comentaristas na internet sobre essa e outras falas de teor supostamente machista do ex-presidente.
Em uma publicação na última quinta (17), a ativista escreveu, em resposta a “cobranças de reaças”: “É meio estranho o negócio, porque eles vivem negando que machismo existe”.
A mais comentada talvez tenha sido mesmo a que envolvia o tabuísmo que designa “clitóris”. O “grelo duro” chocou muitas mulheres, que identificaram o termo chulo com uma atitude desrespeitosa.
Brasileira nascida na Argentina, Aronovich, que é professora do departamento de letras estrangeiras da Universidade Federal do Ceará, escreveu: “Pra mim me parece machista, mas não sei explicar o porquê. Outras feministas não acharam”.
Em entrevista à Folha, a escritora e ativista feminista Daniela Lima frisou o aspecto regional da fala. “Essa expressão é muito utilizada no Nordeste e é sinônimo de mulher forte.” A mesma explicação apareceu em comentários nas redes sociais. E frisou: “Se Lula dissesse que um homem é ‘pica grossa’, por exemplo, não causaria nenhum espanto”.

“Isso reflete o lugar destinado ao corpo feminino em nossa sociedade e quais são as qualidades impostas a esse corpo, tais como fragilidade e docilidade.”
O raciocínio de Lima se estende também para a fala de Lula sobre Rosa Weber, ministra do Supremo Tribunal Federal.
Em conversa grampeada no dia da condução coercitiva de Lula, 4 de março, do ex-presidente com Jaques Wagner, então à frente da Casa Civil, o ex-presidente disse que esperava uma atuação da presidente Dilma Rousseff e do próprio Wagner junto à magistrada, no momento em que ela estava para decidir sobre o curso das investigações contra o ex-presidente.
“Se homem não tem saco, quem sabe uma mulher corajosa possa fazer o que os homens não fizeram.”
Para Lima, “a coragem, assim como a força, não é uma característica masculina”. “Dizer que Rosa Weber é corajosa não é, em hipótese alguma, masculinizá-la. A tentativa de naturalizar características supostamente femininas faz parte de um perverso esquema de dominação de gênero.”
VAIAS
Em outra conversa com Wagner, desta vez já após os atos pró-impeachment do último dia 13, os dois comentam a participação da senadora Marta Suplicy (PMDB-SP). Na conversa, eles ironizam o fato de que a ex-petista teria sido vaiada pelos manifestantes.
“A Marta teve que se trancar na Fiesp. Foi chamada de puta, vagabunda, vira-casaca”, afirmou o ex-presidente. Ao que Wagner responde: “É bom pra nega aprender.”
A ex-ministra qualificou como “mentiroso” e “machista” o comentário. Em nota divulgada ainda no fim de semana, ela afirmara não ter sido vaiada no ato.
Mas o ponto talvez mais controverso das conversas interceptadas foi o comentário, feito em tom jocoso em conversa com a presidente Dilma, sobre como Clara Ant, diretora do Instituto Lula, teria recebido a Polícia Federal, que cumpriu mandado de busca e apreensão em sua residência, em São Paulo, também no dia 4.
“Foram na casa da Clara Ant. A Clara estava dormindo sozinha quando entraram cinco homens lá dentro. Ela pensou que era um presente de Deus, e era a Polícia Federal”, disse Lula à presidente Dilma. No áudio, ambos riem.
Maíra Liguori, diretora da ONG Think Olga, pergunta: “Por que uma mulher não pode achar ‘um presente de Deus’ cinco caras entrando no quarto dela?”.
“Se isso representa uma ameaça à vida dela, uma situação de estupro ou violência, é machista, mas uma mulher ter fantasia, pensar em sexo, falar em sexo, isso deveria ser normal. Machista é quem vê machismo nessa fala.”
Para Daniela Lima, a questão não pode ser despachada tão rapidamente. “Essa frase reflete uma sociedade machista que coloca o homem no centro do desejo da mulher. É possível dizer que era ‘só uma piada’, mas o riso é sempre carregado de ideologia.”
Para ela “se uma mulher acordasse sozinha com cinco homens desconhecidos em sua casa, provavelmente sentiria medo”. “E esse medo se funda numa realidade material de violência contra as mulheres precisa ser pensado.”
A própria Clara Ant se manifestou publicamente, em sua página no Facebook, após a repercussão da fala de Lula a seu respeito.
Na publicação, enviada também à Folha como resposta ao pedido de entrevista, Ant agradece às “pessoas que de boa-fé se perfilaram” em sua defesa, mas observa que “isso não é necessário”, pois, em décadas de convívio, Lula nunca lhe “faltou ao respeito.”
No texto, ela conta que a conversa entre Lula e Dilma aconteceu diante dela e que, embora o comentário fosse “de mau gosto, buscava mesmo descontrair uma situação tensa”.
Ela recordou ainda “o compromisso de Lula com as reivindicações das mulheres, cujo símbolo maior é a sanção da Lei Maria da Penha e demais instrumentos criados em decorrência dela, como o disque 180, central de atendimento à mulher”.
A colocação de Ant ecoa a resposta dada também pela assessoria do Instituto Lula ao pedido de entrevista com o próprio ex-presidente sobre as colocações.
“Essa invasão de privacidade não apaga nem reduz a atuação dele nas causas da mulher, sua atuação concreta, histórica e real. É um absurdo que conversas privadas, brincadeiras às vezes entre duas pessoas, sejam tornadas públicas de maneira ilegal, por motivação política”, respondeu a assessoria.
Na sua mensagem pública, Ant disse refutar “o oportunismo daqueles que não apoiam a luta das mulheres contra a violência, os assédios e os estupros”. E pergunta: “Será que não estão apenas aproveitando a oportunidade para criticar Lula?”.
Daniela Lima também ressalta os riscos de instrumentalização das pautas feministas nesse debate.
Para ela, o ex-presidente “precisa ser criticado, mas essa crítica não pode servir para alimentar aqueles que pouco se importam com a desconstrução de um discurso machista, mas muito ganham com a destruição de Lula”.
Na opinião de Manoela Miklos, uma das coordenadoras do blog#AgoraÉqueSãoElas, do site da Folha, ao ouvir a fala de Lula ela percebe “um homem como os demais, cujo imaginário é produto de um mundo machista, profundamente desigual”.
Evocando os “avanços na agenda de direitos da mulher” no governo Lula, porém, ela conclui que “nisso também” o ex-presidente “é como os demais homens: pode se transformar, aprender, e ser um bom aliado”.
Nos protestos a favor do governo na última sexta (18), aqui e ali apareciam cartazes de movimentos feministas. Na internet, pipocava discretamente a hashtag #teamgreloduro.

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