Sociólogo Fernando
Lattman-Weltman afirma que atual acirramento dos ânimos é alarmante. “Os
dois lados consolidaram posições, e tudo que o outro faz só reforça a
convicção de que é uma guerra. A situação é muito grave.”
A radicalização e a polarização política
colocam em risco a estabilidade das instituições e da democracia
brasileira, afirma o sociólogo e cientista político Fernando
Lattman-Weltman.
“Existe ameaça, porque todos os poderes
da República estão submetidos a essa dinâmica de radicalização. Mesmo o
Poder Judiciário, que deveria ser o mais neutro, já está na berlinda. Há
fortes críticas e suspeitas à lisura e funcionamento de setores do
Judiciário”, diz o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Segundo Weltman, que desenvolve pesquisa
sobre a relação entre as mídias sociais, imprensa e radicalização no
Brasil, bem como sobre a estabilidade dos regimes, o atual acirramento
dos ânimos é alarmante. Ele menciona os recentes confrontos entre
manifestantes contra e a favor do PT e se diz preocupado com possíveis
embates nos protestos de domingo (13/03), organizados por movimentos
pró-impeachment.
“O processo de radicalização, quando
vira esse ciclo vicioso de ação, reação e provocação, torna-se autônomo e
se retroalimenta”, explica. “Os dois lados consolidaram posições, e
tudo que o outro faz só reforça essa convicção de que é uma guerra.”
DW: O Brasil vive um processo de radicalização e polarização?
Fernando Lattman-Weltman: Sem dúvida
nenhuma. É uma radicalização porque há um partido que ganhou e quer
governar, e uma oposição que quer inviabilizar esse governo e acha que
tem argumentos justos para isso. Um lado não tolera o outro, não há
espaço de negociação ou diálogo. É uma disputa de poder. No meio disso,
também existe uma polarização de caráter ideológico. Certos grupos
pró-PT defendem determinada linha política, que, para eles, estaria
condenada se outro partido assumisse. Da mesma forma, outros partidos
podem culpar as políticas econômicas de esquerda por tudo que deu
errado. Então tem radicalização e polarização, as duas coisas juntas. É
difícil separar uma da outra, mas é preciso, porque elas requerem
soluções diferentes.
A radicalização é sempre negativa para a sociedade?
Isso depende da perspectiva. Para quem
acha que a democracia e a estabilidade das instituições são um valor em
si mesmo, algo pelo qual lutamos muito, evidentemente que essa
radicalização é alarmante. Já para quem acha que essa crise indica uma
contradição mais profunda da sociedade, que não vai se resolver sem uma
transformação violenta, a radicalização pode ser boa. O mesmo vale para
os partidários de processos revolucionários ou regimes autoritários.
Mas, para a maioria das pessoas, preocupadas com a situação social e
econômica, esse agravamento é ruim, independentemente das suas posições
políticas.
O senhor acha que esse radicalismo ameaça a estabilidade da nossa democracia e das nossas instituições?
Eu acho que sim, infelizmente. A
situação é hoje muito grave. Todos os poderes da República estão
submetidos a essa dinâmica de radicalização. Mesmo o poder que deveria
ser o mais neutro, o Judiciário, já entrou na berlinda. Há fortes
críticas e suspeitas à lisura e funcionamento de setores do Judiciário
ou do sistema de Justiça mais amplo, que inclui a Polícia Federal e o
Ministério Público. Até supostas soluções, como o projeto de adoção a
toque de caixa do parlamentarismo, só aumentam a instabilidade. Não vou
entrar no mérito desse sistema, mas propostas assim, nesse contexto, só
jogam mais lenha na fogueira. Projetos assim certamente serão
interpretados como golpe, mesmo que essa não seja a intenção. Se a gente
abrir a porteira para soluções extraordinárias, qual é o limite?
E qual é o papel da imprensa nesse processo?
É um papel muito
preocupante, porque ela pré-julga e seleciona. Por conta da crise que
está vivendo, também ligada às novas tecnologias, a imprensa parece
estar querendo fidelizar o seu público através da radicalização
partidária.
E as mídias sociais, como elas influenciam a radicalização?
Elas têm um lado muito
positivo de democratizar o acesso à informação, mas também geram uma
exacerbação. Há mecanismos das redes que fazem com que as pessoas se
entusiasmem com a exposição e coloquem argumentos só para gerar
determinadas reações. E há uma dinâmica perversa desses algoritmos, que
fazem com que o usuário veja cada vez mais aquilo que buscou, sempre
mais do mesmo. Isso gera uma falsa sensação de que há uma multidão que
pensa igual a ele, mas talvez sejam só algumas pessoas. Para quem se
sentia isolado ou excluído, as redes oferecem esse pertencimento, que é
positivo. Mas elas também contribuem para acirrar os ânimos.
E radicalização em geral aumenta a adesão aos protestos de domingo?
Sem dúvida nenhuma. E há um
risco muito grande de confronto. Os movimentos sociais ligados ao PT
decidiram não convocar manifestações no domingo, o que eu acho uma
medida responsável. Quanto mais se puder evitar confronto, melhor.
E o pedido de prisão do Lula só piora essa radicalização…
Só aumenta. Do ponto de
vista de quem está na esquerda, isso é uma perseguição política para
inviabilizar o governo e uma candidatura do Lula em 2018. E é muito
difícil convencer alguém da esquerda de que não é assim. Da mesma forma,
para a direita, a Lava Jato é apenas uma investigação natural, que está
desmontando a máquina de corrupção e poder do PT – um partido que, no
fundo, queria instalar um sistema bolivariano no Brasil. E ninguém os
convence do contrário. A radicalização chegou a esse ponto. Os dois
lados consolidaram posições, e tudo que o outro faz só reforça a
convicção de que é uma guerra. Há um ano o país está sendo preparado
para esse conflito. Não que alguém tenha manipulado os cordéis para
isso. O processo de radicalização começou nas eleições, se acelerou no
ano passado e chegou a esse confronto.
O que o senhor acha que poderia ser feito na esfera pública para diminuir essa radicalização?
O processo de
radicalização, quando vira esse ciclo vicioso de ação, reação e
provocação, torna-se autônomo e se retroalimenta. Não adianta tentar
dialogar, porque você não vai encontrar bom senso em ambos os lados. O
pessoal não vai depor as armas e sentar para conversar. A única saída é
romper com o outro círculo vicioso, da crise econômica e política. O
governo tenta há um ano, de maneira mais ou menos desastrada, fazer isso
e governar. A rede pode estar radicalizada, mas as lideranças da
sociedade civil, dos trabalhadores, das associações, dos empresários, do
Poder Judiciário, do Congresso, precisam se articular para tentar achar
uma saída para a crise.
Terra
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