A descoberta de que talvez o mosquito Aedes aegypti não seja o
principal vetor de propagação do vírus da zika e de que a disseminação
por contato sexual é mais comum do que anteriormente pensado colocam em
xeque tudo o que já era sabido sobre o zika.
Pelo menos é o disseram cientistas e autoridades de saúde presentes na
reunião da Organização Mundial da Saúde (OMS) em Genebra nesta semana.
"É o Aedes o único vetor? Bem, posso lhe dizer que os cientistas do
mundo começam a se fazer perguntas", disse a diretora geral da OMS,
Margaret Chan. "Pode ser uma outra espécie que está causando isso? Nesse
momento isso são lacunas científicas. Precisamos continuar a encontrar
evidências e não temos respostas definitivas ainda."
"Isso é muito surpreendente. A gente sabe que classicamente esses
flavivírus (gênero ao qual pertencem os vírus de febre amarela, dengue,
chikungunya e zika) são transmitidos com um vetor principal que são os
mosquitos do gênero Aedes e agora somos surpreendidos (com a informação
de) que talvez outros (mosquitos) também sejam vetores", disse à BBC
Brasil Jorge Kalil, presidente do Instituto Butantan, que esteve em
reunião da OMS sobre o tema zika.
As dúvidas sobre o papel do Aedes ganharam ressonância na comunidade
científica com dois estudos brasileiros divulgados na última semana que
apontam para o possível envolvimento de outros vetores na propagação
rápida do zika.
O primeiro estudo, uma parceria do Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz, do
Rio, com o Instituto Pasteur, da França, avaliou a competência vetorial
dos mosquitos do gênero Aedes enquanto transmissores do zika em cinco
regiões: Brasil, Estados Unidos, e os territórios ultramarinos franceses
Martinica, Guadalupe e Guiana Francesa.
Amostras de Aedes aegypti e Aedes albopictus foram expostos ao zika e acompanhados em três aspectos para estimar o potencial de transmitirem o vírus.
Primeiramente, observou-se a taxa de infecção, que é indicativa da
aptidão do vírus de invadir e se reproduzir nas células epiteliais do
intestino do mosquito.
Depois, foi observada a taxa de disseminação, que demonstra se há a presença do vírus em outras parte do organismo.
Finalmente, foi investigado a presença de zika na saliva do inseto, que
é o aspecto indicativo de que o ciclo foi completado e o mosquito está
pronto para transmitir a doença ao picar um humano.
A conclusão foi de que a capacidade do Aedes aegypti de apresentar o vírus Zika na saliva é reduzido. De cada cem mosquitos do Aedes aegypti
infectados, em apenas vinte o vírus chega até o estágio final,
alcançando a saliva, o que torna-os capazes de transmitir o vírus.
No caso da dengue, por exemplo, de cada cem mosquitos infectados, 40
viram transmissores. Já com a chikungunya a taxa é maior ainda: 70 para
cada cem.
"Não podemos descartar a possibilidade de que existam mais vias de
transmissão, através de outros vetores ou diretamente de uma pessoa para
a outra, por meio de fluidos corporais", afirmou o coordenador da
pesquisa Ricardo Lourenço em comunicado.
Culex
O segundo estudo, também da Fiocruz mas do Recife, ainda em andamento, apresenta dados também surpreendentes. Conduzida pela entomologista Constância Ayres, a pesquisa expôs duzentos pernilongos comuns, do tipo Culex, ao zika e registrou alta presença do vírus nos insetos.
O segundo estudo, também da Fiocruz mas do Recife, ainda em andamento, apresenta dados também surpreendentes. Conduzida pela entomologista Constância Ayres, a pesquisa expôs duzentos pernilongos comuns, do tipo Culex, ao zika e registrou alta presença do vírus nos insetos.
"Conseguimos encontrar níveis de infecção muito altos para o Culex no
intestino e na saliva. Isso é uma evidência laboratorial da
suscetibilidade do Culex à infecção e à transmissão", explicou à BBC
Brasil Ayres.
Agora, para comprovar a tese, é necessário replicar o teste em pelo
menos dez mil amostras e também encontrar pernilongos contaminados com o
zika no meio ambiente.
"Temos uma parceria com a secretaria de saúde. Os agentes estão
coletando amostras em residências que têm notificação de zika e mandando
para o nosso laboratório". O estudo deverá ser concluído dentro de oito
meses.
"É um consenso o fato de a gente ainda não saber os mecanismos básicos
de transmissão, de não ter certeza sobre qual é a importância da
transmissão sexual, se existe de fato a transmissão pela saliva. Essas
são perguntas básicas que a gente ainda não tem como dar resposta",
resumiu Ayres.
Transmissão sexual
A primeira transmissão documentada do Zika por contato sexual ocorreu em 2008, quando um médico americano passou a doença à esposa após retornar de uma viagem ao Senegal. O paciente manteve relações com a parceira, que em seguida apresentou os sintomas de zika. Testes nas amostras de sangue comprovaram a presença da doença.
A primeira transmissão documentada do Zika por contato sexual ocorreu em 2008, quando um médico americano passou a doença à esposa após retornar de uma viagem ao Senegal. O paciente manteve relações com a parceira, que em seguida apresentou os sintomas de zika. Testes nas amostras de sangue comprovaram a presença da doença.
Com a epidemia atual, o Centro para Controle de Doenças e Prevenção
(CDC) dos Estados Unidos passou a monitorar possíveis casos de contágio
por via sexual. Segundo o CDC, o vírus se mantém presente por mais tempo
no sêmen do que no sangue.
Durante o primeiro mês de fevereiro, o centro recebeu 14 relatos de
possíveis transmissões. Desses, dois casos foram confirmados
laboratorialmente e outros quatro foram considerados prováveis. Todas as
pessoas infectadas eram mulheres cujos parceiros retornaram
recentemente de regiões afetadas pela epidemia.
De acordo com dados da OMS, casos de transmissão sexual também foram observados na França e Itália.
"Essa é uma característica de transmissão muito inesperada num
flavivírus", explicou à BBC Brasil Jonas Schmidt-Chanasit, do Instituto
Bernard-Noch de medicina Tropical em Hamburgo.
Schmidt-Chanasit afirma que não é comum aos vírus dessa família
apresentar transmissão por meio de contato sexual e que pode haver
muitas questões em aberto sobre o que é conhecido a respeito deles.
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